terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Agrônico

O agrônico chegou às 15 para 5. Meu expediente (é chique falar assim, né?) termina às cinco e não vou ficar além de meu horário, não. Não ganho horas extras, pensei. Desta vez trouxe um rapaz com ele. Deve ser um desses universitários estagiários. Conheço esse tipo; não sabe nada, vive dentro da universidade com seus livros, roupinha limpa, perfumado e uma vez ou duas por mês vem aqui me ensinar como aplicar o adubo, o fertilizante, os venenos e até como lidar com animais, interferindo na função do estagiário de veterinária; deve ser de vingança, pois o outro também faz o mesmo. Esses universitários filhinhos de papai! Outro dia ainda quis me dar aula de psicologia ou psiquiatria ou sei lá o quê, dá no mesmo! Falou de um tal de Fróide, de umas teorias... Mas cortei logo suas asinhas: escuta aqui moço inteligente, eu também tenho uma teoria (aprendi isso com meu irmão; ele sempre fala que toda vez que a gente for iniciar um assunto deve-se iniciar dizendo que tem uma teoria. É bonito, dá respeito, as pessoas, principalmente esses intelectualóides, gostam de teorias e as respeitam, mesmo que elas não sirvam para nada.), pobre não tem essa coisa de psicologia ou sei lá o quê, não. Pobre tem fome, dor de barriga e bicho de pé (um vizinho meu tinha bicho de pé até na mão, na direita entre os dedos polegar e indicador, bem ali no colinho, na carne macia). Ele parece que não gostou muito! Nem liguei para sua reação; burguesinho metido à besta. Passou toda a vida dentro da sala de aula e vem querer me ensinar como moer cana, podar laranja, café; erguer curva de nível. Suas pranchetinhas nunca servem pra nada. Fazem um monte de cálculo e no final a curva sai reta; na primeira chuva estoura. Imbecis!
Mas nesse dia fui curto e grosso: não vou ficar depois das cinco hoje, não, moço. “É que o carro furou o pneu no caminho”, justificaram-se eles. O pneu deve furar todos os dias, pensei comigo. Tinha dado uma chuva e o estagiário não queria descer para não sujar os pés. Bibelô! Então, voltem amanhã, que hoje não vai dar tempo de regular a bomba; o senhor sabe que não adianta começar esse tipo de serviço e deixar no meio – isso era verdade. Era dez pras cinco, olhei no relógio e comecei a limpar a enxada. O agrônico entrou (dentro do) carro e ficou conversando com seu pupilo. Saiu e disse pra mim: “Deixe a chave do trator e as ferramentas que nós mesmos vamos fazer sem você”. Tudo bem, respondi-lhes, já com um risinho. Eu sabia que eles não iam regular sozinhos aquela bomba, com todos aqueles bicos encravados. A maioria tem de ser solta com alicate e eles nem sabem segurar um alicate. Imbecis, pensei; vão quebrar a cara. Arrumei tudo pra eles, tudo que precisavam e deixei disponível. E fui embora. Desci pra casa pensando: não dou 20 minutos e eles estão batendo na porta pedindo ajuda ou abandonam a empreitada; até porque logo escurece nessa época e os pernilongos atacam, pelo menos se fosse horário de verão!
Errei!
Passou-se meia hora! Antes de tomar banho fui tratar das galinhas e juntar os ovos do dia; estava entrando em casa quando escutei um barulho de carro encostando...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Eutanásia

Ganhou, de sua irmã, um carrinho de rolimã, mas ele está enferrujando pendurado no pé de romã, desde o dia em que deixou de ser a criança, quando brincava de ciranda na varanda, pra viver nesse mundo sem esperança... Você quer saber por que está deitado, eu vou lhe falar: ele se engasgou com um caroço de castanha-do-pará.
Para de fumar essa desgraça. Senão você também vai se engasgar. E vai para lá, se deitar do lado dele sem se alimentar. Assistindo televisão vendo comercial, de produto importado. Você não precisa morrer como ele. Se quiser você se livra desse estado.
Caramba! que droga é essa que ninguém consegue se livrar? Dizem que é natural e dá em qualquer lugar. No brejo, no mato, no pasto, na serra. Talvez seja por isso que as vacas ficaram loucas na Inglaterra.
Caramba! que droga é essa que ninguém se interessa em discutir se realmente presta. Se faz algum bem. As vacas já morreram mesmo e ele vai morrer também. Não me diz “eu não fumo nem sou contra uso, mas não venha influenciar o meu filho; que isso não é opção e sim uma imposição”.
E isso aqui nem é uma oposição. Mas não tem problema porque nós não temos governo mesmo.

domingo, 23 de agosto de 2009

Os insetos

Escureceu e os insetos atacaram. Nosso pai logo correu a encher uma lata com estrume de vaca seco lá no pasto. Atiçou fogo à matéria que aquilo enfumaçou toda a casa, e antes dos insetos, saímos nós.
Fomos lá para fora. Forramos um plástico na grama e todos sentamos em torno de nosso pai para ouvir suas histórias. Ali, mundo a céu aberto, foi nosso clã; as árvores foram as paredes; o céu, o telhado; a lua, o lampião; entre uma risada e um tapa nos pernilongos (nunca conseguimos acertá-los, o tapa é puro reflexo) ouvimos nosso pai contar histórias de leão, onça, macaco, coelho, rato, barata, formiga...
Daí a pouco, a voz quase estridente. É minha mãe! Outro mundo! Parede de barro pisado, telhado de telhas velhas esburacadas e madeiras já escuras da fumaça do fogão de lenha. Lamparina de querosene... hora de ir à escola! Que pena!

sábado, 18 de julho de 2009

A festa

Fui convidado para uma festa.
O lugar era distante. Uma fazenda, eu acho.
A chegada não sei como foi, pois dormi no carro a caminho e desmaiei na volta. Era um lugar que parecia um vulcão extinto. No fim o fogo apareceu! No alto, à frente, bem lá em cima, duas fileiras de casas. No pé do morro, uma igreja à esquerda. À direita, uma grande casa, deveria ser do administrador, onde se realizaria a festa - na verdade, na frente da casa, numa espécie de pátio.
Fogueira acesa. Seria festa junina? De fato serviram pipoca e outros quitutes. Mas não chegava a ser uma festa junina típica, embora não estivesse em momento algum apto a fazer qualquer julgamento desse tipo. De qualquer modo, tinha cerveja, da qual bebi.
Além das pessoas com quem eu fui – que me levaram – não conhecia mais ninguém. Que me importava! As conversas eram as mais chatas possíveis. A ceveja era boa: original. Bebi sem cerimônias. Sem brindes, inclusive. Acho a maior frescura essa coisa de brindar.
Na festa não aconteceu nada demais. Muitos fingindo estarem felizes, sorrisos falsos. Beijinhos nos rostos ainda mais falsos das meninas. Alguns “dançavam”. Outros dançavam no xaveco. Eu bebi! Creveja, original.
Enfim a festa ficou monótona – ainda mais? – todos estavam rodando, sem nenhum sentido. Rodavam e não saiam do lugar. Estavam dançando? Que festa chata. Aproveitei para beber mais veja.
Dei graças a deus quando me chamaram – pegaram – para ir embora. Só pedi mais uma ja e fomos para o carro. Boa noite...

terça-feira, 16 de junho de 2009

Visão

Amanheceu um dia lindo. Saí à janela para ver o Nascer-do-Sol. Tudo maravilhoso. Avistei um só minúsculo ponto negro no horizonte. Movia-se lentamente. E veio se aproximando. E aumentando de tamanho.
A uma distância média de minha visão, dobrou à esquerda, então percebi que era um urubu.
Fez uma curva e voltou-se para meu lado. Chegou bem perto de mim. Sobrevoou minha casa. Plainou. Perdi-o de vista. Retornou.
Deu algumas voltas; acelerou. Deu um loop e... caiu. Esborrachou-se no chão. Achei que estava sonhando. Só podia estar sonhando.
Fechei a janela e voltei a dormir...

domingo, 14 de junho de 2009

O sequestro

Queríamos nos divertir e sequestramos um PM. Realmente era brincadeira. Era só para ver a cara dele, como uma pessoa reagiria. Tínhamos duas armas de brinquedo, uma cada um. Mas eu não revelei que, por segurança, também levei uma de verdade, só para uma eventualidade. Tenho porte de arma, registrada, tudo certinho.
Encostamos nossa camionete na praça, esperamos um momento em que um deles ficou sozinho. Então, chegamos juntos, colocamos a arma na costela dele e pedimos gentilmente para que ele nos acompanhasse. Ele nos seguiu sem resistência, educadamente, um gentleman. Entrou na camionete e levamo-lo para um cafezal.
Fizemos ele descer e caminhar no meio da plantação na nossa frente. Fomos tão burros que nem nos lembramos de tirar a arma dele. Claro, era apenas uma brincadeira, imaginamos que ele seria compreensível quando revelássemos tal propósito.
Depois de caminhar uns 200 metros, eu disse ao meu amigo que poderíamos acabar com aquilo ali mesmo. O PM se ajoelhou e disse que tinha família, etc. Rimos discretamente. Mas meu amigo discordou que já deveríamos acabar a questão naquele estágio, deveríamos continuar a caminhar. Ele deu razão ao meu amigo, dizendo para eu pensar melhor. Eu estava querendo acabar com o sofrimento dele e ele contra mim? Filho-da-puta! Falei para ele: você quer continuar sofrendo? Estou querendo lhe ajudar. Vou deixar você na mão dele, então.
Meu amigo me disse que eu estava falando demais com o outro. Eu disse-lhe que não iria mais adiante e iria parar ali mesmo. E nesse bate-boca tosco nosso, ele saiu do nosso campo de visão, se escondeu a atrás de um pé de café e disparou dois tiros em nossa direção, na minha na verdade.
Porra, estávamos só brincando! Meu amigo sumiu e ele continuou a mirar em mim seus tiros. Eu saquei minha arma de verdade e dei uns tiros também em sua direção, em legítima defesa. E ficamos na espreita um do outro. E fomos distanciando-nos.
Ouvi meu amigo pegar a camionete e ir embora. Fiquei em silêncio atrás de um pé de café e ouvi os passos deles nas folhas secas. Acompanhei-o pelos sons, mapeando a direção dele. Só de sacanagem, dei mais uns tiros em sua direção e o ouvi disparando na correria.
Fui embora para casa também.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

A caçada

Não tinha nada para fazer; saiu para dar uma volta pelo quintal e avistou uma rolinha que sorriu ironicamente para ele. Pensou: vou pegar essa rolinha e assá-la. A rolinha continuava a sorrir para ele – ou dele. Pegou um taco de beisebol e foi matá-la.
Ela voou para mais longe. O jovem foi atrás. Quando estava chegando onde ela pousara novamente, voava para mais longe. E assim foi cada vez mais distante. Passou por uma plantação de feijão, por lagos, brejos e chegou a uma plantação de milho. A rolinha se escondia por trás dos pés de milho. Parecia estar brincando de esconde-esconde com ele, mas o rapaz cada vez ficava mais furioso e capturá-la se tornara questão de honra. A rolinha não aguentava mais voar; estava cansada e já queria parar de brincar, mas ele percebia seu cansaço e via que estava perto de pegá-la.
Então, ela parou atrás de um pé de milho exausta e o olhou com cara de quem pedia para parar a brincadeira. Mas percebeu pelo olhar dele que não era mais brincadeira. Aí o mirou com um olhar suplicante, pedindo desculpa pelo mal entendido.
Mas ele aproximou-se impiedosamente dela com o taco de beisebol armado para deferir o golpe. Ela colocou a cabeçinha debaixo das asas e viu suas pernas dobrarem. Encostou seu corpinho ao chão e sentiu o peso do mundo...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Atrasado

Acordou apenas 15 minutos mais tarde, mas já se considerava atrasado, pois sempre fazia tudo cronometralmente.
Ligou a televisão para ouvir as notícias matinais e foi escovar os dentes, como sempre. Passou ao banho e depois, à barba. Nisso ouve a notícia de um incêndio: na sua fábrica – como ele dizia. Na verdade, era apenas onde trabalhava, não era o dono. Ele vivia falando minha fábrica. Meu emprego. Mas nem o emprego era dele, pois podia perdê-lo a qualquer, de acordo com o humor do DONO, o verdadeiro dono, da fábrica e do emprego...
No momento em que ouvia a notícia do incêndio, nem sentiu o corte da navalha e o sangue que corria pelo seu rosto. Correu à sala para se certificar. Não acreditava no que via: sua fábrica em chamas. Nem lavou rosto direito, vestiu qualquer roupa e correu para o local.
Ao chegar, foi impedido de se aproximar: ninguém podia ficar a menos de um quilômetro do incêndio. Protestou, brigou, tentou furar o cordão de isolamento, mas não conseguiu nada. Todos achavam que ele era louco: uma pessoa com metade da barba feita, sujo de creme de barbear, com pantufas, com a parte debaixo do pijama e camisa pólo, a dizer que aquela era a sua fábrica.
Ficou ali diante do fogo: vendo um quarteirão inteiro ser consumido pelas chamas. Talvez se não tivesse atrasado...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Arte

Recebi um convite para uma exposição de arte. Fiquei muito feliz, afinal quase nunca vou, pois ou é muito caro ou as baratas e gratuitas são sempre fulé.
Era num shopping, estranhei, mas fui assim mesmo, é a modernidade, ou a pós-modernidade, nossa contemporaneidade, nossa vaidade.
A exposição, para minha surpresa, era de roupa.
- Exposição de arte de roupa?
- Sim, roupa também é uma arte?
- Desde quando?
- Depende de seu olhar.
Tirando a bregueci das roupas, estava bom: havia muita mulher bonita e uns aperitivos para comer.
No andar de cima, estava rolando show do Jota Quest; é arte também? Perguntei ironicamente. Faz parte do show? Não, era outro evento. Fui lá ver. Ao chegar, ouço um tiro para cima e uma correria danada.
Fui embora antes que me mostrassem a vanguarda desse movimento.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Conversíveis

Comprei um pacote de viagem para Recife que incluíam passagem de ônibus e hotel conversíveis. Isso mesmo, estava escrito lá, desse modo, e a atendente me explicou que eram conversíveis, mesmo. Bem, meu sonho era conhecer Recife, mas nunca tive grana. Então descobri esse pacote de viagem por um preço inacreditável. Desconfiei, mas resolvi apostar, poderia dar certo e eu realizaria meu sonho de conhecer Recife. E era uma pequena aposta. O ônibus sairia de Araraquara, passaríamos uma noite em São Paulo, em um hotel conversível, e depois seguiríamos direto a Recife.
Estava curioso para ver esse tal ônibus conversível. Chegou o dia e a hora. E o busão aparece. Lindo! Prateado, novinho, tipo leito, confortabilíssimo, com água mineral e bolachinhas. Só não tinha teto! Exatamente, era um ônibus normal, muito bom e sem teto. Conversível mesmo. Era um pau-de-arara com suspensão eletrônica, pensei comigo... Imaginei que com aquele conforto não deveria ser tão ruim assim viajar naquilo. E fomos embora. Torcendo para que não chovesse durante a viagem nem fizesse muito sol. Com certeza iria chover e fazer um sol de rachar a moleira.
Saímos à tarde e logo depois de anoitecer estávamos em São Paulo para passar a noite – no hotel conversível! O hotel também era lindo, tinha até hidromassagem. E também era sem teto! Parecia aqueles motéis que abrem o teto. Ia dormir no relento numa cama muito confortável. Rezei uma Ave Maria com um Pai Nosso para não chover. Choveu...
No dia seguinte, saímos de São Paulo – não sei por que passamos em São Paulo, acho que só para dormir no hotel conversível - e fomos direto a Recife, com as paradas estratégicas. Rezando sempre para não chover nem fazer muito sol. Choveu e fez muito Sol! Chegamos bronzeados à praia. Deveriam ser para isso esses conversíveis...

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Senhas

Fizeram um assalto a uma Lotérica. Achavam que iam ficar ricos. Mas conseguiram apenas 670 reais. Pensaram: estamos fudidos. Guardaram a grana num cofre que tinham em casa, também roubado. A notícia se espalhou e a polícia estava fechando o cerco. Começaram a pensar em fugir, mas não tinham grana. E a pouca grana do cofre estava fechada e eles não sabiam a senha. Elaboraram um plano: roubar um banco - e vai ser a Caixa. Se a filha Lotérica não tinha grana, a mãe tem de ter. Assim fizeram, mas deu errado: acabaram presos. Foram parar na cadeia daquela cidadezinha. Tinham um amigo de infância que se tornou advogado e os ajudou pedindo um Habeas Corpus. Conseguido o Habeas Corpus e avisado o delegado, o carcereiro tinha perdido a chave das grades. Acabaram dormindo mais uma noite no xilindró. No dia seguinte, levaram um maçarico e cortaram os ferros da grade. Então puderam ir para a casa. Sabiam que acabariam presos de novo. Começaram a pensar novamente em fugir. Mas não tinham grana. Só os 670 reais, que já dava pelo menos para irem bem longe de ônibus. Mas ainda não tinham o segredo para abrir. Mas lembraram que tinham deixado o segredo num e-mail de um deles. Problema: não sabiam mais a senha do e-mail, nem tinham e-mail alternativo. Não tinham como recuperar a senha. Depois de algum tempo, resolveram fazer do modo tradicional: pegaram um martelo e uma talhadeira e começaram a marretar o cofre. Era noite e logo os vizinhos todos acordaram e chamaram a polícia: em pouco tempo a viatura estava lá na porta. Foram vestir pijama...

terça-feira, 26 de maio de 2009

Branquíssimos

O casal com suas duas filhinhas apareceram para o City Tour na hora exata. Acho que eram da Áustria, não sei por que, mas tinham jeito de ser da Áustria, nunca conheci um austríaco, porém acho que eram de lá, pois eram brancos. Muito brancos. As menininhas principalmente, que deveriam ter uns 9 e 10 anos. Eram tão brancas que eram quase transparentes. Poderiam ser alemães, mas eram muito simpáticos. Alemães não são tão simpáticos assim. Embora tenha conhecido um alemão simpaticíssimo. Alias, o único alemão que conheci até hoje. Ou seja, 100% dos que conheço pessoalmente são legais. Mas foi sorte a minha tê-lo conhecido. Esses deveriam ser austríacos! Não perguntei. Sim, eram austríacos, só podem ser da Áustria aquelas pessoas!
Saímos para o passeio em um utilitário. Passamos por um museu, acho que era museu. Eles me apontavam um monte de coisas, mas eu não prestava atenção em nada. Estava estupefato com eles. Eram muito brancos. E... falavam português. As meninas não tão bem. Como alguém tão branco podia falar português? Eram alegres, sorridentes... Não tinham cara nem jeito de turistas, além do fato de serem brancos. Acabou o passeio. Depois nos separamos e eles me indicaram uma “festa” que ocorreria à noite ali perto.
Acho que tirei uma soneca à tarde.
Fui com mais dois colegas que não me lembro direito quem eram. Na entrada tudo parecia normal. Mas quando entramos nos disseram que não poderíamos sair mais, deveríamos esperar algumas horas, senão não entraríamos mais, teríamos de pagar entrada de novo. Tudo bem, passadas as 3 horas exigidas quisemos sair. Mas não nos foi permitido. Ficamos bravos, gritamos. Aí vieram uns caras com “uniforme” e nos pegaram e levaram para os “fundos”. Parecia uma outra dimensão aquele lugar. Um monte de gente muito estranha - e todos brancos, muito brancos. E com umas roupas diferentes, meio camufladas. Muitos empregados com outros uniformes. E outras pessoas, bastante também, com roupas comuns. Não estava entendendo nada. Eram-nos servidas umas bebidas esquisitas. Ficamos um bom tempo ali, não sei quanto tempo. Talvez horas – quem sabe dias.
Aí alguma coisa aconteceu. Foi uma confusão, uma correria, gritaria, desespero. Corremos para uma porta que levava a uma espécie de camarim. Havia roupas lá, dos mais diferentes estilos e modos. Todos pegavam algumas para vestir e ficar camuflados para fugir. Peguei um chapeuzinho, uma camisa e uma calça. Eu e meus dois colegas saímos no meio daquela confusão tranquilamente. Não pela porta que entramos, mas por uma outra lateral. Acessamos um quintal enorme com muitas bananeiras. E muita água corrente, correndo devagar, sem barulho. Tudo era um silêncio amedontrador. Caminhamos bastante e saímos numa rua. Estava escuro, deveria ser madrugada, mas logo amanheceu e percebemos que estávamos em São Paulo, não sei que rua. Fui dormir.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Paraíso

Ele me recebeu muito bem. Deu toda a atenção que se podia esperar. Tratou-me com todos os cuidados. Acho que por isso melhorei logo.
Depois disso, levou-me para conhecer o lugar. Na entrada, um tanque como esses de caminhão que transporta combustível. Deveria comportar uns 10 mil litros. Só com uma abertura em cima, no centro, de cerca de 1 metro de diâmetro, sem tampa. Dentro uma água estranha, não identificável. Perguntei se não havia tampa. A assistente disse que não precisava; que a Vigilância Sanitária aprovara daquele modo. Dei-me por satisfeito. Mas ele disse que iriam tampar aquilo, sim.
Conforme íamos andando nos deparávamos com um monte de quiosquinhos de água, alimentados por uma bica que vinha de cima através de um caninho, o terreno era em declive. A água era azulada, acho que era por causa do material de que eram feitos os quiosquinhos. Eram muitos, muitos mesmos. Centenas. Lá em cima um grande poço ou piscina. Vazio. Explicou-me que seria feito ali um centro de pesquisa sobre algo que não entendi. Olhei no horizonte e vi um barranco vazio, desabitado. Imaginei comprar aquele terreno e fazer um lago artificial com cachoeira e um monte de quiosquinhos azuis.
Voltamos. Fui embora e nunca mais voltei lá. E nunca tive lago artificial, nem cachoeira nem quiosquinhos azuis.

Ex

Logo percebi em seu pescoço uma cicatriz. Parecia grande, pois pegava toda parte dianteira do pescoço, imaginei logo uns 15cm por uns 10cm. Ia perguntar o que acontecera. Mas fiquei sem saber se deveria ou não. É educado perguntar à pessoa na primeira vez em que a vê sobre um “defeito”? Deixei passar, haverá de ter uma oportunidade, talvez ela própria acabe sentindo necessidade de falar sobre.
Como um segredo mortal, algo incontável, como se fosse um pecado, ela nunca falava sobre aquilo. Mas haveria um dia de isso se realizar. Mas nunca chegava, não íamos a lugar nenhum público como piscina, praia, etc.
Mas não deixou de me amar. E desejava se entregar a mim. Percebia sua luta interna, entre realizar seu desejo sexual comigo e esconder algo que parecia considerar como sendo só dela, era como expor algo que pertencesse a ela somente, como um órgão interno. Foi tudo tão rápido, tão intenso, tão mal explicado. Mas o amor ainda prevaleceu. Ela superou seu estigma, e me entregou seu segredo. Despi-a. E revelou-me algo que nunca tinha visto. Seu corpo era todo “cicatrizado” como se tivesse sofrido um banho de água fervendo. Mostrava-se todo enrugado. Só as mãos, a parte final dos braços, a perna do joelho para baixo e o rosto não eram “cicatrizados”. Não tive coragem de perguntar o que ocorrera. Imaginei um acidente com fogo, com água quente. Mas me parecia que fora mesmo uma doença, talvez hereditária. Uma estranha pele nova e enrugada. Beijei-a nos ombros ásperos. Encostamos nossos corpos. Parecia que abraçava uma árvore cascuda. Os seios eram pequenos e feios, os biquinhos quase não se viam no meio de tantas “rugas”. Beijei-os delicadamente. O umbigo quase não se percebia. A barriga era reta e crespa. As costas, também. As nádegas estranhamente amassadas. Coxas eram finas. Fizemos amor. Não perguntei o que era a causa. Ela sorriu quando despedimos.
Nossa história em comum chegou a fim logo depois.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Falsos Pleonasmos




Estou na aula e chega um aluno, levanta-se e começa a comentar sobre “pleonasmos”. Tentei dialogar, mas não deu. Preferi pensar melhor. Mas anotei a lista que ele deu de pleonasmo. Havia desconfiado. Cheguei a casa, fui conferir. Não deu outra: era a lista de um vídeo do “youtube”. A questão é que há muitos equívocos na “lista” da peça exposta lá no youtube. A lista trazia, entre outros exemplos de pleonasmo:

- Multidão de pessoa;
- Prefeitura municipal;
- Comparecer pessoalmente;
- Goteira no telhado.

Basta ir a um dicionário, por exemplo ao Houaiss, que veremos que multidão é “grande quantidade de seres (pessoas, animais ou coisas) ... qualquer volume considerável de coisas”. Ou seja, o exemplo que ele dá de pleonasmo “multidão de pessoas” não é necessariamente pleonasmo. E diz que é impossível “multidão de vacas”. Não o é, como vemos no Houaiss.
Prefeitura se diz que é sempre municipal. E afirma estrondosamente: “no Brasil toda prefeitura é do município”. Engano! Existe “Prefeitura Universitária”. Uma placa dessa, que no vídeo se diz absurda, é fundamental em uma cidade com universidade.
Outra: comparecer pessoalmente. Diz não ser possível não ser outra coisa a não ser “comparecer pessoalmente”, e diz ironicamente que “ainda não aprendi a comparecer por e-mail”. Ora, se analisarmos bem, veremos que, ao emitirmos uma procuração, a presença do procurador é a sua própria presença, ou seja, podemos comparecer via procurador, daí vem a necessidade de diferenciar e usar “comparecer pessoalmente” para dizer que não se aceita o ato por procuração.
Mais um apenas para não alongar muito. Goteira no telhado. Engana-se quem acha que só há goteira no telhado. Talvez a pessoa só conheça um tipo de casa, viva fora da realidade do Brasil. O dicionário Houaiss explica melhor: Goteira “buraco ou falha no material de cobertura de uma casa”. (grifo nosso). Na música “Desculpa, mãe”, do grupo de RAP Facção Central o autor diz: “Quando chorava vendo a panela sem almoço Vendo a lage cheia de goteira”. O mesmo diz outro RAP: “A panela vazia cheia de goteira na laje” (Sem Olhos Pra Periferia, Rima Criminosa) (grifo nosso). Ou seja, há vários tipos de goteira.
É o velho preconceito lingüístico! E o pior de tudo usado para se ganhar dinheiro e de uma foram distorcida, pois quer corrigir as pessoas, mas não tem conhecimento suficiente para isso. Aliás, como qualquer ato preconceituoso, só pode ser fruto de ignorância, desconhecimento.