terça-feira, 16 de junho de 2009

Visão

Amanheceu um dia lindo. Saí à janela para ver o Nascer-do-Sol. Tudo maravilhoso. Avistei um só minúsculo ponto negro no horizonte. Movia-se lentamente. E veio se aproximando. E aumentando de tamanho.
A uma distância média de minha visão, dobrou à esquerda, então percebi que era um urubu.
Fez uma curva e voltou-se para meu lado. Chegou bem perto de mim. Sobrevoou minha casa. Plainou. Perdi-o de vista. Retornou.
Deu algumas voltas; acelerou. Deu um loop e... caiu. Esborrachou-se no chão. Achei que estava sonhando. Só podia estar sonhando.
Fechei a janela e voltei a dormir...

domingo, 14 de junho de 2009

O sequestro

Queríamos nos divertir e sequestramos um PM. Realmente era brincadeira. Era só para ver a cara dele, como uma pessoa reagiria. Tínhamos duas armas de brinquedo, uma cada um. Mas eu não revelei que, por segurança, também levei uma de verdade, só para uma eventualidade. Tenho porte de arma, registrada, tudo certinho.
Encostamos nossa camionete na praça, esperamos um momento em que um deles ficou sozinho. Então, chegamos juntos, colocamos a arma na costela dele e pedimos gentilmente para que ele nos acompanhasse. Ele nos seguiu sem resistência, educadamente, um gentleman. Entrou na camionete e levamo-lo para um cafezal.
Fizemos ele descer e caminhar no meio da plantação na nossa frente. Fomos tão burros que nem nos lembramos de tirar a arma dele. Claro, era apenas uma brincadeira, imaginamos que ele seria compreensível quando revelássemos tal propósito.
Depois de caminhar uns 200 metros, eu disse ao meu amigo que poderíamos acabar com aquilo ali mesmo. O PM se ajoelhou e disse que tinha família, etc. Rimos discretamente. Mas meu amigo discordou que já deveríamos acabar a questão naquele estágio, deveríamos continuar a caminhar. Ele deu razão ao meu amigo, dizendo para eu pensar melhor. Eu estava querendo acabar com o sofrimento dele e ele contra mim? Filho-da-puta! Falei para ele: você quer continuar sofrendo? Estou querendo lhe ajudar. Vou deixar você na mão dele, então.
Meu amigo me disse que eu estava falando demais com o outro. Eu disse-lhe que não iria mais adiante e iria parar ali mesmo. E nesse bate-boca tosco nosso, ele saiu do nosso campo de visão, se escondeu a atrás de um pé de café e disparou dois tiros em nossa direção, na minha na verdade.
Porra, estávamos só brincando! Meu amigo sumiu e ele continuou a mirar em mim seus tiros. Eu saquei minha arma de verdade e dei uns tiros também em sua direção, em legítima defesa. E ficamos na espreita um do outro. E fomos distanciando-nos.
Ouvi meu amigo pegar a camionete e ir embora. Fiquei em silêncio atrás de um pé de café e ouvi os passos deles nas folhas secas. Acompanhei-o pelos sons, mapeando a direção dele. Só de sacanagem, dei mais uns tiros em sua direção e o ouvi disparando na correria.
Fui embora para casa também.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

A caçada

Não tinha nada para fazer; saiu para dar uma volta pelo quintal e avistou uma rolinha que sorriu ironicamente para ele. Pensou: vou pegar essa rolinha e assá-la. A rolinha continuava a sorrir para ele – ou dele. Pegou um taco de beisebol e foi matá-la.
Ela voou para mais longe. O jovem foi atrás. Quando estava chegando onde ela pousara novamente, voava para mais longe. E assim foi cada vez mais distante. Passou por uma plantação de feijão, por lagos, brejos e chegou a uma plantação de milho. A rolinha se escondia por trás dos pés de milho. Parecia estar brincando de esconde-esconde com ele, mas o rapaz cada vez ficava mais furioso e capturá-la se tornara questão de honra. A rolinha não aguentava mais voar; estava cansada e já queria parar de brincar, mas ele percebia seu cansaço e via que estava perto de pegá-la.
Então, ela parou atrás de um pé de milho exausta e o olhou com cara de quem pedia para parar a brincadeira. Mas percebeu pelo olhar dele que não era mais brincadeira. Aí o mirou com um olhar suplicante, pedindo desculpa pelo mal entendido.
Mas ele aproximou-se impiedosamente dela com o taco de beisebol armado para deferir o golpe. Ela colocou a cabeçinha debaixo das asas e viu suas pernas dobrarem. Encostou seu corpinho ao chão e sentiu o peso do mundo...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Atrasado

Acordou apenas 15 minutos mais tarde, mas já se considerava atrasado, pois sempre fazia tudo cronometralmente.
Ligou a televisão para ouvir as notícias matinais e foi escovar os dentes, como sempre. Passou ao banho e depois, à barba. Nisso ouve a notícia de um incêndio: na sua fábrica – como ele dizia. Na verdade, era apenas onde trabalhava, não era o dono. Ele vivia falando minha fábrica. Meu emprego. Mas nem o emprego era dele, pois podia perdê-lo a qualquer, de acordo com o humor do DONO, o verdadeiro dono, da fábrica e do emprego...
No momento em que ouvia a notícia do incêndio, nem sentiu o corte da navalha e o sangue que corria pelo seu rosto. Correu à sala para se certificar. Não acreditava no que via: sua fábrica em chamas. Nem lavou rosto direito, vestiu qualquer roupa e correu para o local.
Ao chegar, foi impedido de se aproximar: ninguém podia ficar a menos de um quilômetro do incêndio. Protestou, brigou, tentou furar o cordão de isolamento, mas não conseguiu nada. Todos achavam que ele era louco: uma pessoa com metade da barba feita, sujo de creme de barbear, com pantufas, com a parte debaixo do pijama e camisa pólo, a dizer que aquela era a sua fábrica.
Ficou ali diante do fogo: vendo um quarteirão inteiro ser consumido pelas chamas. Talvez se não tivesse atrasado...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Arte

Recebi um convite para uma exposição de arte. Fiquei muito feliz, afinal quase nunca vou, pois ou é muito caro ou as baratas e gratuitas são sempre fulé.
Era num shopping, estranhei, mas fui assim mesmo, é a modernidade, ou a pós-modernidade, nossa contemporaneidade, nossa vaidade.
A exposição, para minha surpresa, era de roupa.
- Exposição de arte de roupa?
- Sim, roupa também é uma arte?
- Desde quando?
- Depende de seu olhar.
Tirando a bregueci das roupas, estava bom: havia muita mulher bonita e uns aperitivos para comer.
No andar de cima, estava rolando show do Jota Quest; é arte também? Perguntei ironicamente. Faz parte do show? Não, era outro evento. Fui lá ver. Ao chegar, ouço um tiro para cima e uma correria danada.
Fui embora antes que me mostrassem a vanguarda desse movimento.